Carlos Apolinário é uma espécie de Harvey Milk às avessas. Ao contrário do político americano, que nos anos 1970 instigou a comunidade gay de São Francisco a assumir a homossexualidade como parte de um processo de afirmação (e sobrevivência), o vereador paulistano, eleito pelo DEM, acredita que a aceitação, nos novos tempos, passa pelo caminho inverso: “Se o cara não quiser sair do armário, deixa ele no armário, pô. Hoje em dia a pessoa vai para a televisão e só falta dizer: ‘não basta ser gay, tem que participar’”.
A tese é rabiscada ao telefone poucas horas após a Câmara Municipal aprovar, na terça-feira 2, um projeto de lei de sua autoria que institui, em São Paulo, o Dia do Orgulho Heterossexual. O “Dia” ainda não tem data nem comemoração previstas, diferentemente do que ocorre com a versão homossexual do evento. Mas o vereador garante que, ao aprovar a lei, conseguirá instituir também um dia de reflexões sobre o que chama de “excesso de privilégios” acumulado pela comunidade gay na maior cidade do País. Ele explica: “hoje em dia, se você anda na rua e arruma briga, você sai e xinga. Você não quer saber se o sujeito é hétero ou gay. Você só quer xingar. Se você xingar um hétero, tudo bem. Mas se der o azar e xingar um gay, você vai ser chamado de homofóbico e vai causar uma baita confusão”.
Mas não é apenas a ausência do direito de xingar democraticamente as pessoas na rua que tem tirado o orgulho de ser hétero do vereador. Outro perigo, aponta ele, é um dono de um estabelecimento censurar manifestações públicas de afeto entre “bigodudos” e ter de aturar um “beijaço” de 20 bigodudos, no mesmo local, como protesto, no dia seguinte. “Eu sofro também discriminação por ser evangélico. Imagina se o cara brigar comigo porque sou religioso e, no dia seguinte, eu levar um grupo para fazer um culto lá no restaurante do cara”.
O perseguido Apolinário lembra que até tinha vergonha de usar a Bíblia quando criança, época em que os colegas o chamavam de “crente da bunda quente”, mas que a discriminação foi diminuindo conforme descobria que havia também jogadores de futebol e políticos que pertenciam à mesma igreja, no caso a Assembleia de Deus, que frequenta há 52 anos. Ele garante, porém, que nunca teve a orelha arrancada ao ser reconhecido como um ser diferente ao abraçar o filho em público. Até porque, conforme conta, até mesmo à mulher, com quem é casado há 38 anos, as manifestações públicas são restritas – do mesmo jeito que não admite casais extravagantes na piscina de seu prédio, também evita promover cenas picantes em público. “Não preciso fazer demonstrações de amor à sociedade”.
O excesso de afeto é justamente o problema – já que os “animais” que provocam agressões pelas ruas sempre existirão, segundo Apolinário. “O que faz um gay ser discriminado? Você põe um camarada gay para trabalhar no gabinete do vereador. Chega lá, ele faz uma voz que não é a dele, anda de um jeito que não é o jeito dele andar…É que nem um cara que corta o cabelo igual ao do Ronaldinho: ele passa e você olha. Ou uma mulher que sai com o busto de fora, ou bota minissaia. A pessoa vai olhar e fazer comentário. Mas se o gay tem um procedimento normal, fala e anda do jeito dele, ninguém vai estranhar”, afirma.
Outro resultado da chamada migração dos armários para a rua, na visão de Apolinário, é que hoje em dia os gays estão de tal forma protegidos que não podem sequer ser demitidos sem justa causa sem que o empregador seja acusado de homofobia. Se bater num carro de gay, então, já era: é cadeia na certa. “Hoje o gay é sempre vítima de tudo”, costuma repetir o vereador.
“Na Paulista, as grandes manifestações estão proibidas por causa dos hospitais. Mandaram a festa da CUT e a Marcha para Jesus para outros lugares. Mas a Parada Gay pode. Por que só ela? É um privilégio inaceitável. Por que não fazem a Parada em Interlagos?”, sugere. Outro exemplo do excesso de privilégios, lembra Apolinário, é que durante as festas sindicais de 1º de Maio não há distribuição gratuita de camisinha; já na Parada Gay, elas são jogadas às centenas graças à ajuda do contribuinte. “Eles estão querendo defender direitos como o de adotar criança ou trabalhar na polícia ou estão só ‘pensando naquilo’?”, questiona ele, que não esquece o “agarra-agarra” no metrô a caminho da festa popular.
Um pouco envergonhado, ele exemplifica a que ponto a situação privilegiada da comunidade gay chegou: “Aqui na Câmara, tinha um projeto em que o funcionário público municipal poderia colocar o companheiro gay no plano de saúde como dependente. Eu fiz um projeto igualzinho ao dele, mas em vez de colocar companheiro gay, indiquei que poderia ser um dependente, que não precisava ser gay. Poderia ser a mãe, o pai, o irmão, a avó, um amigo dele. Imagina o seguinte: você é hétero e eu sou hétero. Suponha que vamos morar na mesma casa: nós compramos a casa, cada um paga a metade, todas as nossas despesas a gente divide. A única coisa que a gente não faz é sexo. Aí nós não temos direito nenhum”.
Apesar da irritação, Apolinário garante que, diferentemente do colega de política, o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), não tem problemas em conviver com a comunidade gay. Se os filhos seguissem esse caminho, garante, ele pediria apenas que eles mantivessem a discrição.
Prova de que não tem “nada contra o ser humano homossexual”, diz o vereador, é que até mesmo o cabelereiro, “alto, bonitão, de barba e um desperdício”, que corta seus cabelos pretos, sempre entupidos de gel, é gay. “Meu cabelereiro é gay. Tem até um camarada que ele chama de marido. É um cara normal: eu beijo ele, ele me beija. Não tenho nenhum problema. Na minha campanha, meu maquiador era um gay. E já tive dois funcionários gays que eram chefes do telemarketing”, gaba-se.
Fonte:http://www.cartacapital.com.br/politica/nao-saiam-do-armario